Transilvânia – Romênia.
Inverno de 1579.
Narrador.
Isabella ergueu os olhos do retrato para o homem que tinha voltado a se sentar a sua frente. Ela não entendia como isso era possível, mas de qualquer forma ela sabia que o que o homem sentado a sua frente também não era possível de existir. Edward não falou nada e ela desviou os olhos de novo para o retrato.
Parecia ter sido pintado talvez no século passado, as roupas não eram recentes, pelo contrário, eram antigas, a paisagem do fundo do quadro também, sem contar que a moldura parecia antiga e desgastada. Mil e uma perguntas apareciam na cabeça. Há quanto tempo ele estava vivo? Como a sua ex-noiva era praticamente idêntica a ela própria? Ele “protegeu” Isabella por que ela se parecia com a ex-noiva dele? Por que era apenas ex-noiva? O que aconteceu para o casamento não ter se concretizado?
- Quando o senhor nasceu? –
- 1428. – respondeu, ele tinha cento e cinquenta e um anos. – Fui transformado, por assim dizer aos trinta e sete em 1465, mesmo ano que a Mirena morreu. – apontou ele para o quadro na mão dela.
- Como? –
- Como o que? Como ela morreu ou como eu fui transformado? –
- Os dois! –
- Com licença. – Esme abriu a porta da biblioteca. – Eu preciso falar com o senhor, é urgente! –
- Vai descansar, já foi muita coisa para a senhorita absorver… depois nós conversamos mais e eu te conto a minha história. – Bella apenas assentiu. – Sabe voltar ao seu quarto? – ela assentiu de novo. – Com licença. – ele se levantou e saiu da biblioteca, encontrando com Esme que estava o aguardando do outro lado, apreensiva e apertando os dedos uns contra os outros. – O que houve? –
- Dimitri. –
- O que ele quer? Ele sabe que não pode vir até aqui. –
- Ele não veio. Ele mandou um mensageiro. Ele quer encontrar o senhor na campina quando a noite cair. Preciso dizer que não acho seguro, sabe que nos últimos anos, ele não tem cumprido o acordo, principalmente depois que alguns debandaram para o lado dele. –
- Qualquer coisa, se for necessário, Esme, nós saímos daqui. Do mesmo jeito que eu encontrei este castelo, eu posso encontrar outro. Não tem mais nada que me prenda aqui. –
- E o que vai fazer com ela? Vai transforma-la? –
- Eu não vou fazer nada que ela não queira! –
- Ela não é para onde ir e tampouco tem família. – apontou enquanto os dois caminhavam pelo corredor. – E sabe que há três dias eu precisei prender a grande maioria dos moradores do castelo devido ao sangue dela, e as chances de ela acabar se machucando. –
- Eu sei disso. Eu nunca obriguei nenhum de vocês a aceitarem esse estilo e viva e expliquei mais um mil vezes as consequências desse modo de vida, se é que podemos chamar assim! – ele respirou fundo. – Alias, ela já sabe sobre a Mirena. –
- Contou tudo a ela? –
- Na verdade, ela só sabe que é parecida com a Mirena, ainda não contei essa parte da história! – ele se lembrou do tumulo. – Lembra de Renée? A mulher que foi enviada a sacrifício há vinte e quatro anos? –
- A que não resistiu a hipotermia? – ele assentiu. – O que tem? –
- É a mãe da Bella. –
- Oh meu Deus… quer que eu limpe o tumulo antes de leva-la lá? –
- Por favor. Mas seu não vou leva-la agora. Só quando a primavera estiver chegando, ela ainda não se recuperou completamente da quase hipotermia, não quero que ela sinta frio de novo. –
- Sim senhor. – ela assentiu. – O que eu aviso ao mensageiro? –
- Eu vou encontra-lo na campina a noite. Eu imagino que eu saiba o que ele quer! Veja se Isabella já voltou ao quarto e se ela está bem e aquecida. E outra. Ela sabe o somos! –
- Como reagiu? –
- Melhor do que eu pensei que reagiria. Pelo menos não fugiu correndo como eu temi que fosse fazer. –
- Eu vou ver como ela está. –
Edward seguiu o caminho até o seu quarto e Esme voltou a biblioteca. Bella ainda estava ali na cadeira, com o retrato de Mirena em mãos, ela não conseguia desviar os olhos do mesmo. Estava tão absorta em olhar para o retrato que acabou se assustando com a mão fria de Esme repousando em seu ombro.
- Você está bem? – ela apenas assentiu, colocando o retrato em cima da mesa ao seu lado.
- Se importa, caso eu pergunte, como chegou aqui? –
- Não. Eu não me importo! – Esme se sentou no banco, onde Edward estava sentado a pouco. – Eu fui a primeira que ele transformou. O príncipe chegou na região… acredito que tenha sido por volta de 1480. –
- A senhora vai fazer cem anos? –
- Quase… Tenho oitenta e sete anos de transformada, mas eu fui sacrificada aos quatorze anos Eu fui a primeira, minha madrasta me entregou ao sacrifício, minha mãe tinha falecido durante a minha infância e meu pai se casou de novo e ela não gostava de mim. Quando os anciões surgiram com a ideia do sacrifício, meu pai tinha feito uma viagem e quando ele voltou, ela já tinha me entregado. – contou.
- E o que aconteceu com ela? –
- Eu não sei! Decidi que não valia a pena voltar atrás e saber o que tinha acontecido, e eu estava bem aqui. O início é algo difícil, aprender a se controlar, mas é melhor do que a antiga vida que eu tinha. – deu de ombros.
- Você aparenta ter quase a minha idade. –
- É porque eu não fui transformada aos quatorze. – explicou. – O príncipe me resgatou aos quatorze, mas eu só pedi a transformação aos vinte e seis! –
- Você pediu? –
- Todos os que estão nesse castelo pediram pela transformação, Isabella. Não tínhamos para onde ir, ninguém jamais voltaria para a família que entregou… não tínhamos muitas escolhas e essa era a melhor das poucas que tínhamos. –
- Isso é um conselho ou um aviso do que eu vou acabar fazendo? –
- Você não tem que fazer nada, você não tem que escolher nada ainda. – se apressou em dizer. – Eu apenas respondi o que você me perguntou, querida. Quer que eu te acompanhe até o quarto? –
- Não precisa. Eu sei voltar sozinha. –
- Então eu vou até a cozinha pegar algo para você jantar. –
- Jantar? Já anoiteceu? – ela olhou confusa para a única janela aberta.
- A noite já está caindo. – avisou. – Eu sei que durante o inverno é difícil de perceber isso, mas quando você consegue controlar a noite e as suas criaturas, você percebe quando o sol nasce e se põe. –
- E como é viver na escuridão? –
- Como disse, no início é difícil para se acostumar tanto com a noite quanto com a sede, mas aos poucos você vai se acostumando e depois de um tempo, você não sente mais falta do sol. – deu de ombros. – Eu vou buscar e levar algo para a senhorita comer. –
- Eu sou a única… humana aqui? – questionou sem saber ao certo se tinha usado o termo certo.
- Sim! Alias, gostaria de pedir que tomasse um pouco de cuidado para não se machucar. Tem gente que é novo ainda e não sabe se controlar muito bem como cheiro de sangue. –
- Não se preocupe. Com o pai que eu tive, eu sempre fui bem cuidadosa. –
Com apenas um sorriso, Esme saiu do quarto e foi caminhando calmamente até o a cozinha em busca de algo para que a jovem pudesse comer. Bella deixou o retrato em cima da mesa e deixou a biblioteca e voltando na direção de seu quarto. Depois de comer e se limpar, Bella foi para debaixo das cobertas, a neve tinha voltado a cair forte e estava bem frio, mesmo com a lareira acessa.
Quando a noite caiu por completo, Edward, mesmo debaixo da tempestade de neve, foi até a campina se encontrar com Dimitri. Ele estava sozinho, o outro não tinha chegado ainda, mas a audição de Edward estava bem aguçada, ele conseguia ouvir através de todos os animais noturnos que estavam na floresta para se certificar que ele estava vindo sozinho.
Não demorou muito e um grande lobo negro apareceu do outro lado da campina. O animal rosnou ao ver Edward, mas ele apenas ficou sobre as pernas traseiras e logo se transmutou em um humano de novo.
- O que você quer? –
- Sabe o que eu quero! Aquele sacrifício é meu! –
- Ela você não pega. – Edward simplesmente como se fosse obvio. – Sabe o acordo, quem pegar primeiro faz o que quiser! Ela é minha! –
- Você me atrasou para que eu não chegasse. Acha que eu não sei que mandou aqueles dois lobos para me atrasar. –
- Ela você não vai pegar, Dimitri e isso não é negociável. –
- Ou você me entrega o sacrifício… ou eu mato cada um daquela aldeia. – ameaçou e Edward apenas sorriu.
- Eu não ligo! – respondeu ao se lembrar do que aquelas pessoas tinham feito com Isabella, e agora, que ele sabia que Renée era mãe da mesma, lembrando o que eles tinham feito com ela também. – Fique á vontade, mas ela você chega perto! Já tinha te avisado. – foi quando Dimitri entendeu quem ela era.
- Oh… Ela é aquela garota que você protegia! – apontou. – Por que? –
- Não é da sua conta! Era isso o que você queria? Me avisar que irá atrás da aldeia caso eu não a entregue?! Já tem a sua resposta ou permissão se era isso o que veio atrás. –
- Ela sabe quem é você? –
- Ela sabe o que todos naquele castelo são! –
- Não foi a isso o que eu me referi. Ela sabe sobre o Lorde Empalador? -
- Longe dela! Não vou dizer de novo! Quer ir atrás de todos daquela aldeia? Vá! Mas fique longe dela! – disse entre os dentes e com um simples movimento, ele se transformou na nuvem de morcegos e voltou ao castelo, indo embora, sem ver o sorriso malicioso que Dimitri lançou.