terça-feira, 7 de junho de 2022

Capítulo 22.

                                                                           Grécia - a.C.

Narrador.

Hades estava nervoso, era a primeira vez que ele "convidava" alguém a ir ao submundo, e era a primeira vez que alguém queria ir por livre e espontânea vontade! Ele sabia que aquele lugar era um caos e havia tentado deixar o mais arrumado possível antes de Perséfone descer. E ela já estava atrasada! E se ela tivesse mudado de ideia? E se Deméter voltara e proibira a filha de vir? E se Zeus finalmente tivesse voltado a prestar a atenção na família ao invés de se preocupar com o tal do semideus e havia aconselhado Perséfone a não vir? E se… Eram muitos e se, eram muitas possibilidades para o seu atraso, mas nada disso impediam o deus de ficar nervoso.

Essa coisa dos "vivos" era muito novo para ele. Ele estava acostumado a lidar com os mortos, e os mortos não sentiam nervosismo. Ódio, raiva, desespero, indiferença, frustração… Essas coisas ele sabia bem, era o que a grande maioria das almas carregavam consigo ao fazerem a passagem. Nervosismo não. E ao pensar nos motivos que o deixam nervoso a quantidade de e se na sua cabeça só piorava. E se ela não gostasse daqui de baixo? E se ao ver o mundo interior ela mudasse de ideia? E se ela apenas estava brincando com seus sentimentos para ver um pouco do mundo, o qual sua mãe a proibia de ver? E se?...

- Não sabes como ficas fofo com essa expressão de desespero! - ele abandonou o seus e se ao ouvir a voz angelical de Perséfone. Ela estava parada atrás dele, com um belo, enorme e divertido sorriso no rosto.

- Estais atrasada! - disse simplesmente tentando tirar aquele ar mortal de si.

- Oh, por favor. - ironizou. - Estou lhe chamando a luas e estais aí andando de um lado para o outro. - Ora. A quanto tempo ela estava aí o vendo em seus sentimentos mortais de desespero? Ele não tinha escolha a não ser engolir em seco, seria humilhação demais caso seus irmãos descobrissem o que havia acontecido aqui. - Por que está preocupado? - perguntou ela colocando os braços para trás do corpo e se aproximando dele, pé a pé com os mesmos descalços.

- Por que demorou? - ele ignorou sua pergunta e fez a que lhe estava matando, contudo, com total indiferença na voz. - Eu sou muito ocupado e… -

- Não me diga? - ironizou ela mais uma vez. - És tão ocupado igual ao meu pai que não tem tempo para nada, mas que fica sentado em seu trono sem fazer nada? - a resposta era sim, pelo menos em uma boa parte do tempo, mas ele não responderia isso. - Contudo, lhe respondendo. Me perdi! - admitiu e ele ergueu a sobrancelha. - O mais longe que eu vou para fora do Olimpo é Lesbos ou então Corinto, nunca vim mais ao norte, então… - ela deixou a fala morrer e começou a rir. E ao ouvir aquela risada, ele sentiu seu coração se encher de vida. - Vamos? Não quero atrasar mais ainda o ocupadíssimo deus da morte! -

- Ainda pode desistir. - comentou suspirando e sem acompanhá-la no riso. - Já lhe disse que o mundo inferior não é um lugar bonito. -

- Pode não ser bonito, mas suponho que seja um lugar de paz e silêncio. -

- Menina, você não faz ideia de para onde você está indo. - respondeu em um tom de voz assustador. Ela não estava de tudo errada. O campo de Asfódelos e os campos Elísios era um lugar de paz e silêncio, principalmente os Elísios, contudo, a maior parte do mundo inferior era cercado pelo Tártaro, que não era nem um pouco silencioso. E infelizmente, a morada de Hades tinha vista para o Tártaro, até porque, Hades gostava de ver as almas dos mortais sofrerem, pelo menos era o que lhe fazia passar o tempo, pelo menos até conhecer Perséfone. – Se existem duas coisas que não existem no mundo inferior é paz e silêncio. –

- Você não mora com a minha mãe! – rebateu ela. Ela não sabia como era o inferno, mas Hades sabia muito bem como era morar e ter que aturar Deméter, ainda mais quando você está dividindo um espaço minúsculo como o estômago de seu pai com mais cinco pessoas. Hades arrepiou-se ao lembra, só não sabia ao certo se era por ter passado alguns bons anos de sua vida preso no estômago de seu pai ou se era por ter dividido aquele espaço pequeno com Poseidon, Héstia, Deméter e Hera, sendo que a mais silenciosa eram Héstia!

- Bom, vamos então! – disse simplesmente virando-se e se dirigindo para a entrada da caverna que levava até o submundo.

- Pergunta! – começou ela ao se materializar ao seu lado quando ele entrou na escuridão da caverna fria e úmida. – Essa caverna está à vista de qualquer um. O que aconteceria caso um mortal a visse? –

- Nada. Ele veria e apenas isso. –

- E se ele quisesse entrar? –

- Ele poderia entrar. – respondeu apoiando seu cetro no chão para poder descer um degrau de pedra alto.

- Mas... – ele olhou para cima vendo a expressão de confusão no rosto de Perséfone. A caverna era bem escura, onde eles estavam, no final dela, bem ao fundo, onde não havia nenhum resquício de luz, mas mesmo assim, ele não sabia, parecia que uma luz bem fraca emanava de seu corpo.

- Simples! Nenhum mortal em sã consciência entra tão fundo assim em uma caverna que aparenta não ter fundo. E mesmo assim, caso um desça... Digamos apenas que eles começam a ficar confusos, desorientados e alguns são encontrados na entrada da caverna. –

- Alguns? E os outros? –

- Os outros... – suspirou temendo assusta-la. – Os outros, que desceram mais, não voltam a superfície. – disse simplesmente esticando a mão para ajuda-la a descer, e mais uma vez ao sentir sua mão a dela, ele sentia o perfeito contraste entre sua mão fria e a mão quente de Perséfone.

- Mas se eu não estou enganada, eu lembro de ouvir os outros deuses conversando que alguns mortais foram até o mundo inferior, e que alguns ainda falaram com o senhor. – ela fez uma cara de pensativa. – Orfeu. Creio eu. –

- Sim. – admitiu. – Orfeu. Hercules e Perseu. – respondeu. – Sendo que os dois últimos ficaram berrando na porta da caverna querendo uma audiência. –

- Sobre o que? – suspirou ele antes de responder, Perséfone era curiosa e ele não se importava com isso, na verdade, ela era basicamente a única que o fazia falar, ele não estava incomodado com as perguntas dela, muito bem contrário, ele só não sabia como responder-lhe as perguntas sem assusta-la.

- Hercules queria cumprir o seu último trabalho, que era levar Cerberus até Euristeu, o rei de Tirinto, que queria vê-lo. Não por sentir vontade, apenas por que seria algo impossível de Hercules cumprir. – explicou quando ela desceu e parou ao seu lado.

- O que é Cerberus e porque permitiu com tanta facilidade? –

- Primeiro que você verá quem é Cerberus! E eu não permiti não tanta facilidade. Hermes e Atena intercederam em favor dele, Hermes é até aturável, mas Atena consegue ser insuportável quando quer. – suspirou. – E eu achei que Cerberus mataria Hercules, já que a condição era dele capturar o animal sem usar nenhuma arma. –

- Então Cerberus é um animal?! –

- Sim! – assentiu. – E bom, ele conseguiu capturar Cerberus, o levou e o trouxe de volta em pouco tempo. – explicou. – Perseu veio pedir meu elmo emprestado, queria ficar invisível em sua missão de matar Medusa. –

- E quem o persuadiu dessa vez? – perguntou rindo.

- Seu pai! – respondeu em um rosnado entre os dentes lembrando do quanto Zeus tinha sido insuportável quando a essa missão de Perseu, e ela riu, e ele ouviu sua risada reverberando pela caverna.

- E quanto a Orfeu? –

- Orfeu veio atrás da esposa que havia morrido. –

- E o senhor a libertou? –

- Você já era crescida quando isso aconteceu, não? – ela deu de ombros. – A esposa de Orfeu foi atacada por um sátiro no dia do casamento, e ao fugir caiu em ninho de víboras, que a mataram. Orfeu começou a entonar diversas canções tristes e lamentosas, e todos e os deuses, digo todos, intercederam a favor dele, de que eu libertasse a esposa dele. – ele olhou para o nada por um tempo até voltar a falar. – Eu não me compadecia com os sentimentos dos mortais, então... – suspirou. – Disse que ele poderia leva-la, contudo, ele deveria andar na frente dela e ele não deveria olhar para trás até alcançar o mundo superior, caso contrário, ela seria arrastada de volta para o mundo inferior. E bom, ao chegar na entrada da caverna, ele ansioso esqueceu-se de que ela também deveria sair da caverna antes que ele pudesse olhar para trás, ele virou-se e ela estava terminando de subir essas pernas, e acabou sendo arrastada de volta para o mundo dos mortos. – terminou de falar e olhou para os olhos de Perséfone que continuavam serenos.

- Mas se ela saísse da caverna, iria mudar o destino dela tecido pelas moiras. –

- Eu sei! Ouvi por eras aquelas três reclamarem de que quem morre não pode voltar a vida! Bom... Vamos que a descida é longa. –

- E a história também, creio eu. –

- Quer que eu realmente conte a história do inferno? – ela simplesmente assentiu sorrindo. – Tratemos o mundo inferior como uma ilha, nós passaremos por uma de uma ponte de pedra que cruza o rio Oceanus, que é onde marca a fronteira entre o mundo dos vivos e o mundo dos mortos, e fora o Oceanus, existem mais cinco rios. O rio Lete, quem bebesse ou tocasse em sua água esqueceriam completamente de tudo sobre a sua vida, ele fica próximo aos Campos Elísios, que seria o paraíso, lugar onde as almas de pessoas boas, sacerdotes, heróis e deuses, eram levadas, e após alguns anos ali, eles são levados até o Lete para beber das águas e poderem reencarnar. –

- Então, quem está nos Campos Elísios sabe que está morto? –

- Não! São os únicos que não sabem que estão mortos. Eles seguem “vivendo” a vida deles como se nada tivesse acontecido. – respondeu. – Por exemplo, após Hércules ter cumprido os seus doze trabalhos, fizemos um acordo, ele traria umas almas para mim, almas que estavam evitando a todo o custo a morte, e quando ele quisesse poderia descer até os campos e visitar sua esposa e seus filhos. Sabe da... –

- Hera o enlouqueceu até que ele matasse sua esposa e seus filhos. Isso quase causou uma guerra entre meu pai e ela. –

- Exatamente. A esposa e os filhos de Hércules não sabiam que estavam mortos, para eles, eles estavam vivendo sua vida enquanto Hércules passava meses fora exercendo seu papel de Herói da Grécia. E quando ele morreu, ele foi direto para os Elísios, se ele fosse passar pelo julgamento, com certeza ele não iria para lá, mas em decorrência de tudo o que aconteceu, os outros deuses resolveram perdoa-lo, então ele está com a família. – Hades ia explicando enquanto desciam as pedras irregulares e frias. – Voltando aos rios. Outro que temos é o rio Cócito, o rio das lamentações, que passa pelos Campos de Asfódelos, de certa forma recolhendo as lamentações das almas até desaguar próximo ao Tártaro. –

- E o Campo de Asfódelos é o? – instigou ela.

- É para onde as almas, após o julgamento, e que não foram consideradas nem boas e nem más, apenas irrelevantes ficam vagando pelo resto da eternidade. –

- Mas isso não faz sentido. – comentou parando e ele se virou para olha-la.  - Como assim só porque elas são consideradas “irrelevantes” elas não têm um lugar nos Elísios? – ele suspirou.

- Perséfone, o mundo inferior é dividido em três campos. Elísios, onde as almas boas vão, o Tártaro, onde as almas ruins vão, e o campo dos Asfódelos, onde as almas que não fizeram coisas boas e nem ruins vão. –

- Mas... –

- Por que uma alma que não cometeu nenhum crime, nenhum assassinato ou roubo seria condenada a tortura e ao fogo do Tártaro e ao mesmo tempo, por que essa alma que não fez nenhuma boa ação, de salvar a vida de alguém, por exemplo, ou então, sacrificar sua vida por alguém, ou então, o que eu não considero como uma boa ação, entrar para o sacerdócio seria agradado com os Elísios? – rebateu ele.

- Mas e as crianças? – perguntou e ele entendeu onde ela queria chegar.

- Uma criança não tem tempo suficiente para decidir se irá pelo mal caminho ou pelo bom caminho. Então elas são direcionas direto para os Elísios, elas não chegam nem perto dos juízes. – explicou. – Contudo, precisamos lembrar de que tem crianças com mentalidade o suficiente para cometer furtos e em piores casos assassinar os pais. Esses são julgados e podem ir para o Tártaro ou para Asfódelos. – ela apenas assentiu, mas ele viu um semblante de tristeza em seu rosto. – Tudo bem? – ela piscou os olhos algumas vezes e sorriu para ele.

- Sim. Próximo rio? –

- O Flegetonte, não é um rio nem um pouco belo. – respondeu enquanto eles voltavam a descer cada vez mais, e agora eles passavam pela ponte que cruzava o rio Oceanus, agora eles deixaram oficialmente o mundo dos vivos e entrava no mundo dos mortos.

- Por quê? – voltou ela com o seu ar de curiosidade.

- Pois ele é feito de fogo. – respondeu e ela piscou seus olhos castanhos para o deus. – Lembra que eu comentei das pessoas que batem ou matam seus pais e suas mães? – assentiu e, sem jeito, ele coçou a nuca. – Eles são julgados e mandados para este rio para a eternidade. –

- O QUE? – ela gritou.

- Não fui eu quem criou as punições e tampouco sou eu quem julga. – se defendeu.

- Como assim vocês jogam crianças em um rio de lava? – perguntou desesperada. – Isso é desumano e... –

- Eles estão mortos! – lembrou ele. – E nós não somos humanos. Eles cometeram o mais bárbaro dos crimes, mataram pai e mãe. –

- Se eu não me engano, o senhor e seus irmãos mataram seus pais. – retrucou ela.

- Situações diferentes, Perséfone. Agradeça por não ter conhecido Cronos. O que ele fez... –

- E do mesmo jeito que Cronos foi um pai que mereceu a morte, por que alguns pais dessas crianças não podem ser iguais? – ele sorriu torto.

- Perséfone. Isso tudo é levado em consideração no julgamento. Se é algo com motivo eles podem ser perdoados ou ter a punição reduzida. Pessoas que matam alguém para se defender, que roubam para comer, vão pro Asfódelos e após cumprirem sua pena, são levadas aos Elísios. Quando eu disse das almas que estão queimando no Flegetonte, foram condenadas por motivos torpes, são almas que realmente merecem estar ali queimando pela eternidade. não se preocupe com isso. –

- Desculpa. – pediu um pouco constrangida. – Acho que o espirito materno está começando a aparecer. Héstia bem que avisou. – respondeu fazendo uma careta. – Próximo, e eu juro não surtar dessa vez. – ele sorriu se aproximando e apoiando as mãos em seu rosto.

- Caso queria ir embora, damos meia volta. – ela negou e ele roçou a ponta do nariz ao dela, antes de beijá-la levemente aos lábios.

- O próximo rio é o Estige. –

- Não é o rio por quem os deuses juram e o qual minha mãe fala para eu nunca jurar pelo Estige? –

- Exatamente. – agora, eles andavam lado a lado e com as mãos entrelaçadas. É praticamente o rio mais importante do submundo e de todo o mundo grego, ele corre por todo o mundo inferior e é o rio da invulnerabilidade e é sobre as águas invioláveis que nós juramos, nenhum deus pode quebrar um juramento feito pelo Estige. –

- O que acontece? –

- É punido com algo pior do que a morte. E eu, como deus da morte, não sei o que seria pior do que a morte. E muito importante, jamais toque no Estige, ele tira a sua imortalidade. –

- Certo! –

- E o último e o segundo mais importante é o rio Aqueronte, a entrada do submundo, onde as almas ficam esperando pelo barqueiro. – respondeu parando próximo ao píer de onde subiriam no barco. Ao chegarem no píer foi quando Perséfone percebeu que eles não estavam sozinhos, várias pessoas também estavam à espera do barqueiro.

- Eles conseguem nos ver? –

- Não. Aqui, as almas apenas veem o barqueiro. –

- O que é isso dourado na mão deles? –

- Dracmas. Moedas para pagar o barqueiro, antes deles serem cremados, são postas duas moedas de ouro em seus olhos para pagar o barqueiro. – respondeu quando um barco, muito familiar a um trirreme, contudo um pouco menor, apareceu no píer. Na entrada da trirreme, um homem, que lembrava um marinheiro ateniense de aparência rude e desleixada, usando vestes marrom-avermelhadas, recebia os dracmas e indicavam o caminho para dentro do barco.

- E o que acontece com que não tem o dinheiro? –

- Vagam por cem anos aqui mesmo antes de conseguirem entrar para serem julgados. – apontou para o canto onde vários vultos andavam de um lado para o outro.

- Oh majestade. – Caronte se aprumou ao ver Hades se aproximando do barco.

- Caronte. Esta é Perséfone. – apresentou.

- É um prazer. –

- O prazer é meu, senhorita e... – ele respirou fundo. – Ela está viva! – apontou olhando para Hades. – E fe... cheira como uma deusa. – comentou torcendo o nariz.

- Eu sei! – Hades respondeu simplesmente. – Venha. – ele guiou Perséfone para dentro da trirreme, encontrando diversas almas ali dentro e no canto, milhares de moedas douradas.

- Ele ia dizer que eu fedia como um deus? – perguntou Perséfone e constrangido, Hades se desculpou.

- Perdoe-me por isso. Ele não gosta dos deuses. – respondeu como se isso explicasse alguma coisa. – Só se da bem com Hermes na verdade. –

- Ele sabe que o senhor é um deus? –

- Sim, mas eles preferem me chamar de rei do submundo do que de deus... – bufou.

- Então o Aqueronte nos leva a? – perguntou mudando de assunto.

- O Aqueronte é o rio da miséria e da aflição. – respondeu se apoiando na madeira do trirreme. Ele é mais antigo que o Estige. – contou. – Caronte recebe as almas, que vão jogando no rio suas frustações, amores perdidos, sonhos. Aqui eles sabem que estão mortos. No julgamento, eles sabem que estão mortos, apenas os que vão para os Elísios se esquecem. Caronte leva as almas até os portões, onde Cerberus os recebe e são levados até os juízes. –

- Quem são esses juízes? –

- São Minos, Radamanto e Éaco. –

- Minos não era o rei de Creta, filho de Zeus? – ele assentiu.

- Achava que podia tudo por ser um semideus, a cada nove anos fazia o rei Egeu escolher sete meninos e sete meninas para serem comidas pelo Minotauro. –

- E de certa forma foi recompensado, ganhando um lugar como juiz, quem decide para onde a pessoa vai ou não. –

- De certa forma sim. Mas ele julga certo, até porque se eu vir que está julgando de forma errônea, eu mudo o resultado do julgamento. Na verdade, não sei se sabe, mas Minos, Éaco e Radamanto são irmãos e os três são filhos de Zeus. Enquanto Minos foi rei de Creta, Éaco foi rei da ilha de Egina e pai de Peleu, que era pai de Aquiles. E Radamanto foi príncipe de Creta, que se casou com a mãe de Hércules e foi o tutor do mesmo. –

- E Zeus não teve nenhum poder de decisão quanto a esses juízes, não é? –

- Seu pai é sádico quando quer, e acha que os três seriam juízes inflexíveis e por isso perfeitos para o cargo. Concordo com todos menos com Minos. Mas seu pai adora meter o nariz nos assuntos alheios. –

- Minha mãe conhece ser pior. – respondeu suspirando.

- Sua mãe não fica se fazendo valer por ser o deus dos deuses. –

- Não, quem faz isso é Hera. – ele riu. – Pois bem. – ela se sentou na beirada grossa do trirreme e cruzou as pernas.  - Depois dos juízes? – voltou a história.

- Após os juízes eles são levados aos seus respectivos campos, e os que vão para o Tártaro, recebem a punição de acordo com as suas ações enquanto vivos. –

- Por exemplo quem mata os pais será queimado por toda a eternidade. –

- Quem cometeu crimes ligado a luxúria é condenado as ventanias e furacões, sendo arremessados de uma parede a outra. Os crimes ligados a comida, atolados na lama suja, debaixo de uma forte chuva de granizo, água e neve. Os crimes ligados a dinheiro empurraram uma pedra enorme, e quando chegam ao topo da colina, a pedra rola para baixo de novo. Os crimes de morte são punidos da forma que eles cometeram o assassinato. Se eles mataram alguém de fome e sede, eles ficam presos tentando alcançar uma maçã, por exemplo, os que traíram seu reino ficam da cabeça para baixo congelados. Quem foi morto decorrente a traições são açoitados, os aduladores imersos em fezes, os sacerdotes que cometeram a simonia, ou seja, vender “favores divinos” são enterrados de cabeça para baixo e com as pernas em chamas, os ladrões comuns estão submersos em piche fervente e... –

- Não importa o que um deus faça ele vai sempre para os Elísios, não é? – perguntou ela o interrompendo e foi quando ele percebeu que a assustara.

- Céus. Perdoe-me. Não percebi que tinha lhe assustado. –

- Es... Está tudo bem! – respondeu com a voz falha.

- Isso não é nem um pouco bonito, e como disse não é silencioso, como podes imaginar, infelizmente você acaba se acostumando. E não se preocupe, deuses vão para os Elísios, mas deuses não morrem. E de qualquer forma... – delicadamente, ele puxou-a pela cintura, colocando-a de pé entre seu corpo e a lateral do barco. – Eu jamais permitiria que você morresse. Daria minha vida por você. – envergonhada, ela sorriu. – Eu te amo florzinha. –

- Florzinha? – perguntou ainda sorrindo.

- Você não é a deusa da primavera e das flores? – ela riu escondendo o rosto no peito de Hades. – E de qualquer forma, você cheira a flores. – apontou abraçando-a. – Florzinha... –

- Para! – Perséfone riu e Hades a acompanhou beijando-lhe a cabeça.

Não demorou muito e o trirreme aportou no outro porto, onde os dois deuses esperaram as almas descerem até que os dois pudessem descer. Ao se aproximarem do portão, Cerberus, o enorme cão de três cabeças, se abaixou para saudar o dono, o que fez com que Perséfone olhasse assustada para o cachorro, que ao perceber que a mulher estava viva tentou fazer uma festa, assustando-a mais ainda com o seu tamanho, fazendo-a se esconder atras de Hades, que sorriu enquanto diminuía o tamanho do animal com o seu cetro.

Agora, Cerberus era um cão de tamanho normal, contudo permanecia com as três cabeças. A deusa da primavera sair de trás de Hades, e com a mão ainda um pouco tremula afagou a cabeça central do cachorro, que abandou o rabo animadamente pulando em cima dela, e consequentemente derrubando-a enquanto a lambia, e o medo de Perséfone havia desaparecido, e seus olhos lacrimejavam de tanto rir. Eram três cabeças querendo afago, enquanto ela só tinha duas mãos, e com três línguas a lambendo e babando. Chamando apenas uma vez, Hades fez o cachorro sair de cima da jovem e voltar ao seu posto, ele continuava pequeno e animado, cada cabeça tinha a língua para fora, e o rabo era balançado em um ritmo jamais visto pelo rei do submundo.

Hades ajudou Perséfone, que ainda ria, a se levantar, ela estava toda suja e babada, mas continuava rindo, e queria continuar afagando o cachorro, um cachorro enorme, com três cabeças e dentes afiados, pulando na sua direção era assustador, por isso ele era o protetor do portão do submundo, mas com a estatura de um cachorro normal, era completamente adorável.

- Eu nunca o vi reagir assim. – comentou Hades após transfigurar o cachorro deixando-o gigante novamente e entregava um pano preto para que Perséfone pudesse limpar o rosto. – Ele sempre faz festa quando um vivo chega, mas jamais dessa forma. –

- Ele é fofo! – ele ergueu a sobrancelha para ela. – No tamanho pequeno. – ele gargalhou. – Do tamanho grande é assustador! –

- Vem. – com uma pressa explicável, ele a tirou de perto da entrada do Tártaro, para que ela ouvisse o mínimo possível dos gritos de sofrimento das almas.

Hades fez um pequeno passeio com ela pelo Elísios e os Asfódelos até leva-la ao seu castelo, onde os dois se sentaram nas escadas que levava para um campo completamente vazio, onde Afrodite sugerira que ele criasse um jardim para ela. Os dois não falavam mais nada, e ele ficou observando-a enquanto ela observava o lugar.

Ele tinha razão, ela era um ser de luz, ele conseguia ver a fraca luz que emanava dela, e sabia que em poucos dias aqui em baixo aquela luz se apagaria, e isso o fez suspirar. Ele a queria, mas não conseguia ser tão egoísta ao ponto de apagar tal bela luz.

- Melhor irmos embora. – sugeriu.

- É o que? Por quê? –

- Com certeza está ficando tarde. E além do que, daqui a pouco começaras a sentir fome. –

- E qual é o problema? –

- Não podes comer ou beber nada daqui de baixo. Caso contrário ficarias presa aqui pelo fim dos tempos. –

- Não me parece algo ruim! – sorriu para ele, Hades se aproximou e segurou o queixo de Perséfone.

- Sua mãe me mata! –

- Minha mãe vai ter que se acostumar. Porque eu quero ficar com o senhor. – respondeu e uniu seus lábios aos dele em um beijo rápido.

- Se é o que queres, então temos que fazer as coisas direito! Deixe-me falar com Deméter primeiro! – pediu apoiando a testa a dela.

- Boa sorte! –

- Como... Como podes escolher ficar comigo, sabendo que estou fadado a este lugar e que com isso você também vai ficar? –

- Podes não acreditar em mim. Mas me sinto melhor aqui em baixo do que lá em cima! Mesmo com todo esse grito e sofrimento, e melhor do que aquela vida perfeita no Olimpo. – ela levantou um pouco os olhos para olhar nos olhos de Hades. – Eu ficaria de muito bom grado presa naquele rio de lava pelo resto do fim dos tempos, contanto que você estivesse do meu lado. – respondeu francamente e não dando tempo para ele responder, ela lhe tomou os lábios em um beijo.

As mãos frias de Hades se apoiaram na fina cintura de Perséfone, aproximando-a mais de seu corpo, enquanto as mãos quentes da deusa foram para a nuca de Hades. O coração dos dois batiam incrivelmente rápido e ao mesmo ritmo e tempo. O deus a deitou no chão da escada fria, ficando com metade do corpo por cima do dela, interrompendo o beijo apenas quando o ar se fez necessário.

- Tem certeza de que não quer que eu coma nada? – brincou ela quando ele encostou a cabeça em sua testa.

- Depois que eu conversar com Deméter, você pode comer o que quiser. – respondeu beijando-lhe a ponta do nariz. – Agora, eu vou te levar de volta lá para cima. – ele beijou-lhe novamente os lábios antes de sair de cima dela, e ao se por de pé, ajuda-la a se levantar.

- Teremos que fazer aquele caminho todo de novo? –

- Não. Só mentalizar lá fora. E agora, que conheces o submundo, podes descer sempre que quiser, apenas mentalize aqui dentro. –

- Oh, então eu tenho a permissão do deus da morte para voltar sempre que eu quiser?! –

- Tens! – respondeu sorrindo ao beija-la novamente, e ao separar o beijo os dois já estavam na superfície de novo e já era noite. – Eu disse que já era tarde! – comentou quando ela olhou para o céu escuro suspirando, e ao descer o olhar, ele viu uma pontada de tristeza em seus olhos. Ela não queria subir! Era palpável. A vontade que ele sentia era de descer com ela de novo, mas ele sabia muito bem que ela daqui a pouco sentira fome, caso já não estivesse sentindo, e ele não iria correr o risco de permiti-la de comer algo no mundo inferior enquanto não conversasse com Deméter.

- Vou subir! – respondeu sem vontade alguma. – Voltar para aquele castelinho de mármore. –

- Lembre-se, quando quiser descer, pode descer! –

- Só não posso comer nada lá embaixo! – suspirou.

- Por enquanto. –

- Deixe-me ir, antes que volte lá para baixo com você. – ela uniu os lábios aos dele mais uma vez, antes de desaparecer indo para o Olimpo, e ele voltou para o mundo inferior indo direto para o seu quarto.

Ao chegar em seus aposentos, Hades percebeu que ele próprio estava começando a sentir fome, contudo iria se contentar apenas com uma romã, que tinha na cesta de frutas próxima a janela de seu quarto, com uma adaga em uma das mãos, ele pegou a fruta da outra, e antes que pudesse parti-la, algo lhe chamou a atenção na janela. Seu quarto tinha vista para o pequeno espaço vazio que estivera a pouco com Perséfone, e ele não sabia como, mas ela havia conseguido encher de ásteres de diversas cores, aquele pequeno pedaço de terra morta, ou talvez não tão morta assim, igual ao coração do deus, que ele sempre julgou estar morto, até ela surgir em sua vida.

O sorriso que Hades tinha em seus lábios sumiu quando ele sentiu a presença de um deus no submundo, ele sabia quem era. Deixando a fruta de lado, Hades deixou seu recinto seguindo para o local de onde emanava a presença do deus, Hermes, o único que tinha permissão para entrar e sair quando quisesse, quer dizer, ele agora não era o único, que estava parado na sala de trono de Hades.

- O que quer Hermes? – perguntou ao deus mensageiro.

- Mensagem de Zeus! – respondeu como se fosse o óbvio.

- O que ele quer? –

- Falar com o senhor! Imediatamente! – Hades bufou. – Quer que o senhor o encontre em seu templo em Atenas. –

- Tudo bem. Pode ir, obrigado. –

- Disponha. – rápido como chegou, ele desapareceu, e em poucos segundo, Hades também, partindo na direção do templo do irmão na cidade de Atenas.

- O que você quer? – perguntou estressado ao irmão que logo apareceu a sua frente.

- É assim que fala com o seu futuro sogro? – brincou rindo.

- Futuro sogro? - Hades perguntou com uma das sobrancelhas arqueadas, fazendo com que Zeus gargalhasse e sua risada reverberasse pelas paredes de seu templo.

- Não estais se engraçando para cima da minha filha? Achei que não colocaria mais os olhos nela?! -

- O quer? - perguntou ríspido ao irmão mais novo.

- A quanto tempo nós não conversamos como irmãos, em Hades? - respondeu ele com outra pergunta e ignorando a feita anteriormente pelo irmão.

- Nunca conversamos como irmãos! - respondeu observando Zeus caminhando para fora de seu templo e parando à beira do precipício, que dava uma visão para o mar Egeu tingindo de negro devido à noite escura.

- Eu quero saber das suas intenções com a minha filha. - comentou ele após alguns segundos em silêncio e sentindo a presença de Hades vindo detrás dele.

- Desde quando você se importa com os seus filhos?! -

- Eu me importo com Perséfone! - respondeu rispidamente. - E por mais que você pense que não, eu também me importo com os meus irmãos, principalmente com você, com quem eu menos tenho contato. -

- Por que será? - perguntou ríspido. Hades ainda não conseguia perdoar Zeus pelo que ele fez a eras atrás. - Foi você quem me condenou aquele inferno, sabendo que aquele lugar deveria ser seu! -

- Eu salvei sua vida! Ou você esqueceu quem tirou você e os outros da barriga de Cronos? Ou ainda vai dizer que era melhor estar lá? Vai dizer isso novamente sabendo agora que tens Perséfone em sua vida? -

- Para que me chamastes aqui? Não tens mais o que fazer? Não tens um semideus para vigiar?! -

- Abaixe a guarda pelo menos uma vez na vida, Hades! Ou então será que é só Perséfone que consegue isso? -

- Perséfone não me irrita! –

- Não consegue ver que eu estou tentando te ajudar com Deméter? Ou acha que ela está em Creta durante todas essas luas por que quer? – questionou virando-se de frente para Hades. – Eu quero saber o que você quer com a minha filha para interceder a seu favor com a nossa irmã. –

- Eu quero Perséfone pelo resto do fim dos tempos! – respondeu como se fosse obvio. – E sabe-se lá o motivo, ela também me quer! Ela quer ficar comigo sabendo que isso a condenaria ao submundo e ela simplesmente não se importa! Até prefere. –

- Deméter é uma boa mãe, é algo que eu não posso negar, mas é possessiva demais com a nossa filha, e eu não sei o motivo, nunca soube. Se é por ser, até o momento, a única filha que ela tem! Eu não sei. – deu de ombros. – Mas sou obrigado a admitir, mesmo que eu tenha passado muito tempo aqui embaixo, desde que Perséfone começou a falar com você ela está diferente. Mais feliz. – suspirou. – Você olha para Perséfone no Olimpo e vê que ela não se encaixa ali, que por mais que ela seja parecida com as outras deusas, ela destoa, porque é a única que não quer estar ali. – Zeus ficou um tempo em silêncio antes de voltar a falar. – Quando vai procurar Deméter? –

- Não sei. Talvez quando eu descobrir o que falar para ela, ou então quando souber o jeito certo de falar que estou roubando Perséfone dela. –

- Então já vi que vou ter que segura-la em Creta por mais tempo! Pelo menos Poseidon está ajudando. –

- Você mobilizou o Olimpo inteiro? –

- Praticamente. – respondeu rindo. – Estou feliz por ver meu irmão com uma mulher. – Hades revirou os olhos. – Mesmo que essa mulher seja a minha filha! –

- Inacreditável. – resmungou fazendo Zeus rir alto mais uma vez. Contudo, sua risada foi interrompida com ele olhando irritado para o céu escuro.

- Deméter voltou! – suspirou e toda a alegria que ele sentia tornou-se em cansaço. – E está discutindo com Hera, eu preciso subir. –

- Graças aos céus eu não escuto mais o Olimpo! –

- Sorte sua! E ainda reclama por ter ido para o inferno! – bufou desaparecendo da vista do irmão.

Desde que Hades foi mandado para governar o mundo inferior, ele foi parando aos poucos de ouvir as vozes que vinham do Olimpo, o que era maravilhoso, principalmente em momentos como esse, contudo, ele não conseguia parar de pensar, que sua irmã estava em casa novamente e temia que alguém lhe contasse algo antes que ele próprio pudesse conversar com Deméter, e provavelmente falhar de forma miserável, ele sabia como a irmã era, e jamais havia se entendido com ela em todos os seus anos de sua vida.

Nenhum comentário:

Postar um comentário