Salém,
Massachusetts.
31 de Outubro de
1693.
Pov. Narrador.
Gwen corria com os pés descalços e machucados pela
floresta escura e em chamas. Ela podia sentir o chão quente queimando seus pés
e ela pouco se importava e continuava a correr. O calor do fogo beijava seu
corpo, fazendo-o suar e ficar com o leve chamuscado na pele alva da jovem
mulher. Ela corria como se a sua vida dependesse daquilo, e para sermos
francos, realmente dependia.
Gwen estava toda machucada. Seu pescoço, pulsos e
tornozelos estavam esfolados, alguns cortes por todo seu corpo. Sua bata branca
estava manchada de sangue, seu sangue, e fuligem devido à corrida pela floresta
em chamas. Mas ela corria; mesmo cansada, sangrando e machucada, ela corria,
ela precisava chegar até lá. Finalmente Gwen chegou aonde ela desejava. Um
pequeno casebre. O fogo já se aproximava dele e ela tratou de forçar suas
pernas cansadas e machucadas até lá.
Gwen abriu a porta de madeira e o encontrou no chão.
Ensanguentado e sem vida. E sentiu seu coração partindo ali mesmo. Ela já
desconfiava que isso pudesse ter acontecido, mas desejava sentir dentro de si,
ela sentia dentro de seu coração que ela poderia chegar a tempo. Suas pernas já
fracas tombaram no chão e ela caiu de joelhos sob o piso ensanguentado. Ela se
arrastou até o corpo inerte do homem conforme o fogo começava a subir pelas
paredes da casa, as lágrimas escorriam livremente de seu rosto sujo, elas eram
tantas que era quase que impossível de enxergar.
Quando Gwen se aproximou do homem, as lágrimas vieram com
mais força ainda, fazendo com que seu corpo se sacudisse devido a elas. Ela
estava jogada no chão, debruçada sobre o corpo inerte do seu amado, que jazia
ali com a garganta cortada, gelado, pálido com alguns pontos arroxeados no
canto dos lábios, em volta dos olhos e em algumas partes de seus braços. Gwen
chorava sob o corpo do homem, ela sentia que nem se chorasse por mil vidas ela
conseguiria colocar a dor dilacerante que sentia em seu peito.
Ela levou o rosto manchado pelas lágrimas, os olhos
faiscavam do mais puro ódio e raiva. Seu coração estava completamente partido,
tudo de bom que ela sentia dentro de si havia sumido ao ver seu amado morto. O
fogo já havia tomado conta de uma grande parte do casebre, e ficar ali estava
quase que impossível devido ao calor e a fumaça.
- Vocês tiraram tudo de mim. – ela queixou-se com o vento
enquanto o crepitar do fogo tomava conta das madeiras velhas que compunham o
casebre. – Meu amor. – ela levou as mãos ao rosto do amado. – A única coisa que
eu desejava era ficar com você e eles te tiraram de mim, eles tiraram tudo de
mim. – e chorando ela encostou a testa a dele. – Mas nós vamos ficar juntos,
meu amor. Nós ficaremos juntos. – ela prometeu dando um beijo na testa dele. –
Porém ninguém mais que terá o meu sangue passará por isso de novo. – ela falava
entre os dentes com raiva. Ela se aproximou rapidamente e puxou um punhal de
cima da mesa aos pés do homem, que já estava sendo consumida pelas chamas. – Eu
juro pelo meu sangue, que mais ninguém, descendente deste sangue amaldiçoado,
sentirá está dor que eu estou sentindo agora. Ninguém, descendente deste sangue
amaldiçoado, irá perder um amor de novo. Nunca mais. – ela disse com a voz
firme e cortou a palma da mão com o punhal.
O sangue vermelho escorreu de sua mão caindo por sobre o
sangue de seu amado e misturando-se ao dele sob o chão que começava a ser
banhado pelo fogo, selando a sua maldição. O fogo começava a subir pelas pernas
do homem e pelas dela própria. Ela não se importava mais com o fogo. Ela não se
importava com a dor da queimação. Ela apenas deixou o punhal manchado e ainda
pingando de sangue cair no chão e conforme o fogo subia pelos seus corpos, ela
levou os lábios aos lábios arroxeados do homem, lhe dando um beijo, um último
beijo, e debruçou-se mais uma vez sobre ele, conforme um grito rasgava seu
peito, não pela dor da queimação, mas sim pela dor de perder o homem da sua
vida, o único homem a quem ela realmente amou, e o único homem que conseguiu
ama-la do jeito que ela era.
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